tem que não ver
êxodo – deuses e reis (eua, 2014) s/a
muito antes de estrear, êxodo – deuses e reis já causava controvérsia nas redes sociais. à parte da infeliz coincidência de escalar um ~christian~ para o papel do maior profeta judeu, o filme foi amplamente denunciado pelo “embranquecimento” de seus principais personagens (veja quadro abaixo). numa época em que as questões de minoria* são tão pautadas e discutidas, soa irresponsável, pra dizer o mínimo, a escolha de um elenco caucasiano para interpretar egípcios e hebreus de dois mil anos atrás. em resposta à variety sobre o assunto, o diretor ridley scott resumiu tudo a interesses comerciais, afirmando que o tópico nem chegou a ser considerado: “não posso montar um filme deste orçamento, contando com a redução de impostos na espanha, dizendo que meu protagonista é mohammad-alguma-coisa, de tal-lugar. simplesmente não consigo financiamento. portanto, a questão sequer foi levantada“.
não se trata de um mero detalhe. a luta por uma maior visibilidade dos negros no cinema é antiga (e necessária), mas ainda tem um longo caminho pela frente. este ano, das 100 maiores bilheterias americanas, apenas sete tinham afrodescendentes entre os protagonistas. a conta fecha ainda mais injusta se analisarmos os tipos de papeis interpretados por eles: caricatos, superficiais, carentes sociais e geralmente de alívio cômico. tudo isso há meio século do blaxploitation e quase setenta anos após os primeiros conflitos pelos direitos civis nos estados unidos.
enquanto amante do cinema e grande fã de ridley scott, sinto-me profundamente desapontado com a decisão do diretor em dar suporte à cultura do desbotamento. além de incoerência histórica, a opção por atores brancos não acrescenta absolutamente nada à interpretação criativa da trama – pelo contrário: perpetua o racismo, promove a desinformação, tira oportunidades e joga pela janela a chance de gerar exemplos positivos. é como colocar uma pedra em tudo que vem sendo conquistado nos últimos anos para dar força à versão de pantone europeu da bíblia.
portanto, não se trata de conversa à toa. é preciso exigir uma representação mais fiel da sociedade, seja para valorizar todos conceitos de identidade, combater o preconceito ou corrigir injustiças do passado. toda escolha, afinal, por menor que seja, é também uma decisão política – e por isso escolhi não ver êxodo – deuses e reis.